Eduardo Ritter
Chris, Xandão e a patetice de 8 de janeiro
Um de meus episódios preferidos de Todo mundo odeia o Chris é aquele em que o Chris precisa fazer uma resenha do livro Homem invisível a pedido da professora de literatura, senhorita Rivero, e então ele assiste a um filme homônimo, mas que, como lhe informa o amigo Greg depois que ele já fez o trabalho, não tem nada a ver com a obra, escrita por Ralph Ellison (1914 - 1994).
Uma parte do ano em que morei em Nova York tive a honra de residir na mesma rua em que Ellison viveu no Harlem: na 150 Street, entre Broadway e a Riverside, em Uptown. O problema foi que só descobri quem era Ralph Ellison poucos anos depois, quando li o O Homem Invisível, sem saber que ele era o homenageado da placa que tinha quase na frente do meu prédio e sem saber que O homem invisível era a mesma obra do episódio do Chris. Tu vês. Eu poderia ter dito que sabia de tudo desde o início deste texto, mas não o fiz. Mentir, aqui, não me deixaria mais ou menos inteligente.
Lembrei tanto da malandragem do Chris, quanto da minha falta de conhecimento na época em que morei no Harlem sobre Ralph Ellison e O homem invisível após ver o episódio que aconteceu na semana passada no julgamento de um dos bastardos presos nos atentados contra o patrimônio público e à democracia de 8 de janeiro. Gargalhei ao ouvir o ministro Alexandre de Moraes corrigindo o advogado Hery Kattwinkel, que defendeu um dos réus dos atos golpistas e que quis aplicar a mesma embromação do Chris, dizendo na tribuna que leu um livro que não leu. Para levantar suspeição sobre a posição dos ministros do STF que julgam os casos, o advogado citou uma passagem de um livro de Maquiavel como se fosse um trecho de O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry. Xandão, como é chamado ironicamente pelos falsos patriotas, não perdeu a oportunidade e tirou onda, deixando claro que o advogado é um leitor, mas não de clássicos da literatura, mas sim de resumos do Google: "Quem não leu nem um, nem outro, vai no Google e às vezes dá algum problema", apontou.
Com certeza, o advogado catou, ou no ChatGPT, ou no Google, a falsa referência e quis passar por intelectual para impressionar os magistrados. Qual a necessidade disso? Ele não leu nada que preste para realmente citar na defesa do seu cliente? Ou ele é igual aos clientes fiasquentos que foram cometer crimes em Brasília baseados em filosofia e "história do País" estudados em vídeos do TikTok e memes do Facebook e Instagram? Ou, quem sabe, ambas as coisas?
Eu nunca li nem o Príncipe, de Maquievel, nem o Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry. Até assisti aos desenhos do Pequeno Príncipe nas manhãs do SBT quando eu era criança (e eram muito bons!) e cheguei a comprar o Príncipe na época da faculdade, mas cometi o erro de emprestá-lo para um colega que sumiu com meu livro para todo o sempre. Não li nenhum dos dois, mas já li vários outros clássicos. Qualquer pessoa que gosta de literatura sabe que é absolutamente impossível ler todos os clássicos em uma vida. Para ler tudo o que a literatura já produziu de bom, seria preciso viver, no mínimo, umas seis ou sete vidas de cem anos. Mas, na pequenez do cérebro de pessoas que pensam que encontraram a luz do conhecimento com as redes sociais, isso é difícil de entender. Então, para parecer que são intelectuais, eles caem na tentação do mais fácil, do mais cômodo e do mais prático: buscar referências em resumos superficiais da internet. Igual o Chris fez ao ver o filme ao invés de ler o livro. A diferença é que o Chris era uma criança e era divertido. Já os lunáticos de 8 de janeiro e seus advogados não são nem crianças, nem divertidos. São simplesmente patéticos.
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